Romy Pocztaruk
Shin: Eu nunca fui para o Japão

Inauguração
26 de Outubro / 12h – 18h

26 de Outubro –
21 de Dezembro, 2024

Zielinsky SP

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Shin: Eu nunca fui para o Japão
Romy Pocztaruk

“Os fios de ouro que adornam o figurino do 
 teatro Nô cintilam na penumbra (...) 
 Se não fossem as sombras, não haveria beleza”
 Junichiro Tanizaki (Em louvor da sombra) 

A qualidade que chamamos de beleza, cresce a partir das realidades da vida. Na cultura oriental tal afirmação é fundamentada pelo louvor aos antepassados que, forçados a habitar a escuridão em muitas esferas, acabaram por descobrir a beleza das sombras, cultuadas também em memória àqueles que habitam os céus. Na filosofia ocidental, no entanto, céu é a morada de Deus e dos justos, associado ao divino e à ordem da perfeição. A dicotomia desses fundamentos desdobra-se culturalmente em visões quase antagônicas de signos e símbolos que constroem nosso imaginário de céu e terra. O trabalho da artista visual Romy Pocztaruk evoca as diferenças desses olhares. Confronta estereótipos e a associação dos corpos e identidades à ideia da imutável perfeição. Dessa forma, enriquece o paraíso com misteriosa fluidez, etérea e repleta de possibilidades do corpo e do viver, em que sombra e luz confluem na mais bela potência humana: a liberdade do ser. O pensamento queer e a quebra das normatividades impostas pela crença ocidentalizada do céu é o fio condutor de Shin: eu nunca fui para o Japão, em cartaz na Zielinsky de São Paulo.

Shin é o primeiro a ser apresentado entre os três recortes contidos na série Eu nunca fui para o Japão, desenvolvida por Pocztaruk a respeito do país do sol nascente. É um dos princípios fundamentais do ikebana, arte tradicional japonesa de arranjos florais, que foi estudada e praticada pela artista durante todo o processo de realização do projeto. No campo desta arte, Shin representa o céu e é considerada a haste central, que tudo concentra e sustenta. A primeira a ser construída na prática e símbolo da força matriz celestial, seguida por soe (homem) e hikae (terra).

A mostra Shin: eu nunca fui para o Japão desenvolve-se no confronto divino entre as possibilidades de interpretação do céu. As 12 fotografias reunidas na Zielinsky abordam questões centrais vinculadas à utopia do ser, através do confronto entre a luz e a sombra. Sem nunca ter colocado os pés na ilha nipônica, a visão de Pocztaruk foi guiada principalmente pelas fantasias ligadas à herança cultural japonesa no Brasil e pelo grande fluxo migratório que fez de São Paulo a cidade com a maior comunidade japonesa fora do Japão. A série é composta por registros de cenas e personagens criados pela artista ou em colaboração com atores, que exploram as tensões temporais e a sincronia de instâncias, compostas por presente, passado e futuro. São saunas, parques, museus, festivais, ateliês e outros espaços que evocam a justaposição entre o cotidiano/ordinário e o imaginário. Em Arranjo de sauna para festa”, cortinas de cores vibrantes instaladas em uma sauna abrem as portas para o desconhecido e também para a mostra que se desdobra a partir dela. Ao lado está “Mergulho em águas rasas”, na qual dois corpos femininos flutuam, suspensos entre mundos e cercados por delicados tsurus, um dos origamis mais antigos da cultura japonesa e que simboliza a ave sagrada do país, uma representação de proteção divina.

A expografia desenvolvida por Pocztaruk nos conduz calmamente pelo universo oriental tradicional, em sintonia com “a arquitetura silenciosa, que deixa o vento e a luz do sol falarem por si”, como bem define o arquiteto Tadao Ando sobre a identidade da morada nipônica. Frames em madeira, reverenciando as Minka (casas tradicionais japonesas) nos levam a refletir sobre o olhar estrangeiro da artista e a temporalidade suspensa vivida pelas comunidades japonesas fora da ilha. Nelas, homens e mulheres do universo queer aparecem imersos em cenas tradicionais e contemporâneas, fluidificados em dois mundos.

A quebra de normativas de gênero impostas pelo sistema é um tema que perdura e se desenvolve em diferentes vertentes e suportes na trajetória da artista. Seus questionamentos são vistos em produções audiovisuais distintas ao longo de sua trajetória, entre elas Antes do azul e Safira, ambas de 2019, entre outras. Parafraseando o escritor Kenzaburo Oe, na eterna fuga da realidade em que vivemos, realidade esta que nos obriga a viver muitas vezes adequadamente, shin nos move em direção ao céu que desejamos.

Ana Carolina Ralston
curadora

Romy Pocztaruk
Shin: Eu nunca fui para o Japão

Opening
October 26 / 12 – 6pm

October 26 –
December 21, 2024

Zielinsky SP

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Shin: Eu nunca fui para o Japão
Romy Pocztaruk

“The golden threads that adorn 
the Noh theater costumes shimmer in the twilight (...)
Were it not for the shadows, there would be no beauty”
Junichiro Tanizaki (In Praise of Shadows)

The quality we call beauty grows through the realities of life. In Eastern culture, this statement is grounded in the reverence for the ancestors who, forced to dwell in darkness in many spheres, eventually discovered the beauty of shadows, which are also venerated in memory of those who reside in the heavens. In Western philosophy, however, heaven is the dwelling place of God and the righteous, associated with the divine and the order of perfection. The dichotomy of these foundations unfolds culturally in almost opposing visions of signs and symbols that shape our imagination of heaven and earth. The work of visual artist Romy Pocztaruk evokes the differences between these perspectives. It confronts stereotypes, the association of bodies and identities, with the idea of unchanging perfection. In doing so, it enriches paradise with mysterious fluidity, ethereal and filled with possibilities for the body and living, where shadow and light converge in the most beautiful human potential: the freedom of being. Queer thought and the breaking of normativities imposed by the Westernized belief in heaven is the guiding thread of Shin: I Have Never Been to Japan, in exhibition at Zielinsky.

Shin is the first of three segments in the series I Have Never Been to Japan, developed by Pocztaruk in regard to the land of the rising sun. It is one of the fundamental principles of ikebana, the traditional Japanese art of floral arrangements, which the artist studied and practiced throughout the project. In this art form, Shin represents the sky
and is considered the central stem, which concentrates and sustains everything. It is the first to be built in practice and symbolizes the celestial matrix force, followed by soe (man) and hikae (earth).

The exhibition Shin: I Have Never Been to Japan evolves in the divine confrontation between the possibilities of interpreting heaven. The 12 photographs gathered at Zielinsky address central issues related to the utopia of being through the confrontation between light and shadow. Without ever setting foot on the Japanese island, Pocztaruk's vision was mainly guided by fantasies related to Japan's cultural heritage in Brazil and the significant migratory flow that made Sao Paulo the city with the largest Japanese community outside of Japan. The series consists of scenes and characters created by the artist or in collaboration with actors, exploring temporal tensions and the synchronicity of moments, composed of present, past, and future. There are saunas, parks, museums, festivals, studios, and other spaces that evoke the juxtaposition between the ordinary/everyday and the imaginary. In Sauna Arrangement for a Party, vibrant- colored curtains installed in a sauna open the doors to the unknown and also to the exhibition that unfolds from it. Next to it is Shallow Water Dive, in which two female bodies float, suspended between worlds and surrounded by delicate tsurus, one of the oldest origami figures in Japanese culture, symbolizing the country’s sacred bird, a representation of divine protection.

The exhibition design developed by Pocztaruk gently guides us through the traditional Eastern universe, in harmony with "the silent architecture that lets the wind and sunlight speak for themselves," as well described by architect Tadao Ando about the identity of the Japanese home. Wooden frames, paying homage to Minka (traditional Japanese houses), lead us to reflect on the artist’s foreign gaze and the suspended temporality experienced by Japanese communities outside the island. In these scenes, queer men and women appear immersed in traditional and contemporary scenes, fluid between two worlds.

The breaking of gender norms imposed by the system is a theme that persists and has been developed in different strands and mediums throughout the artist's career. Her inquiries can be seen in various audiovisual productions in her trajectory, including Antes do Azul and Safira, both from 2019, among others. Paraphrasing writer Kenzaburo Oe, in the eternal escape from reality in which we live, a reality that often forces us to live appropriately, Shin moves us toward the skies we yearn for.

Ana Carolina Ralston
curator